O Enigmático Zero

O que acontece quando tentamos dividir um número por zero? Você já se deparou com um erro ao digitar "10/0" em uma calculadora, ou viu a notação "indefinido"? Ou, de forma mais fundamental, você já se perguntou se o "nada" pode realmente ser considerado um número e qual seria o seu papel na matemática?

Inicialmente, o zero surgiu como um recurso notacional para indicar uma posição ausente em sistemas numéricos. A primeira cultura a introduzir um símbolo para essa finalidade foram os babilônios, por volta de 300 a.C., usando um pequeno símbolo para indicar que não havia um determinado "lote" em uma coluna numérica. Contudo, eles não o consideravam um número propriamente dito e, curiosamente, o omitiam se estivesse no final de um número, exigindo que o significado fosse inferido do contexto. Os hindus redescobriram essa ideia, e o manuscrito Bakhshali (entre 200 e 1100 d.C.) já utilizava um ponto forte (•) para o zero. Embora matemáticos indianos posteriores tivessem nomes para o zero, eles não usavam um símbolo até o primeiro uso indiscutível em notação de posição, que ocorreu em uma tabuleta de pedra em Gwalior no ano 876 d.C.


Quando o zero foi lançado no sistema numérico, ele apresentou um problema para matemáticos como Brahmagupta: como esse "intruso" deveria ser tratado? Embora operações como adição e multiplicação se encaixassem, as operações de subtração e divisão não se acomodavam bem com o "estranho". A divisão por zero logo se revelou a principal dificuldade e um tabu na matemática. Se tentarmos tratar 5/0 do mesmo modo que 0/5, chegamos a absurdos como 0 = 5. Por isso, 5/0 é considerado indefinido. O matemático indiano Bhaskara, no século XII, sugeriu que um número dividido por zero era infinito. Ele argumentava que, ao dividir um número por outro muito pequeno, a resposta é muito grande, e no "suprema minimidade", o zero, a solução seria o infinito. No entanto, o infinito (∞) não obedece às regras comuns da aritmética e não é um número no senso comum. Ainda mais peculiar é 0/0, que é chamado de indeterminado, pois "k" pode ser qualquer número na equação 0 = 0 × k. Para evitar o potencial caos numérico em grande escala (como demonstrado por 1 × 0 = 2 × 0 que, se dividirmos por zero, levaria a 1 = 2), a matemática simplesmente não permite a divisão por zero.

Apesar dessas dificuldades iniciais, a aceitação dos números negativos foi importante para consolidar o lugar do zero como um "número de verdade". Historicamente, matemáticos como Diofanto rejeitavam soluções negativas para equações, enquanto os hindus as achavam úteis para representar dívidas, mesmo que com certo desconforto. No entanto, a lógica era inegável: se 3 é um número e –3 também é, então sua soma, 3 + (–3) = 0, também deve ser um número. Assim, o zero foi reconhecido como um componente fundamental de sistemas numéricos matemáticos.

Hoje, o zero é indispensável. Ele está no núcleo dos conceitos matemáticos que fazem o sistema numérico, a álgebra e a geometria funcionarem. Na linha numérica, ele ocupa uma posição privilegiada, separando os números positivos dos negativos. No sistema decimal (base 10), o zero atua como um símbolo que permite a representação de números imensos e microscópicos, usando a notação posicional. O matemático norte-americano G.B. Halsted, no século XIX, descreveu-o como a "máquina de progresso que dá ao aéreo nada, não apenas uma moradia local e um nome, uma imagem, um símbolo, mas poder útil". A própria ideia de que a matemática se baseia em "nada" é, para alguns, um "terrível segredo".

Além de seu papel na aritmética, o zero se estende a conceitos mais abstratos, como o conjunto vazio (Ø) na teoria dos conjuntos. O conjunto vazio representa um conjunto sem elementos e, assim como o zero, é uma ideia estranha mas indispensável para a teoria. De fato, todos os conjuntos vazios são considerados únicos, pois "todos os conjuntos vazios têm exatamente os mesmos elementos, ou seja: nenhum". Como observou Leibniz, em seu medalhão binário, se temos o símbolo 0 (nada) e introduzimos o 1 (um), é possível obter qualquer número (tudo), ilustrando o poder simbólico e criativo do zero.


Referências

CRILLY, Tony. 50 Ideias de Matemática Que Você Precisa Saber. 1. ed. – São Paulo: Planeta, 2017.

STEWART, Ian. Matemática: Em Busca do Infinito. 2014.

STEWART, Ian. Matemática: O Fantástico Mundo dos Números. 2016.