O Medalhão Binário: A Visão de Leibniz

O código binário, uma linguagem fundamental para a operação de computadores modernos, representa dados por meio de apenas dois estados: 0 e 1. Mas, como essa linguagem aparentemente simples, mas incrivelmente poderosa, surgiu? Suas raízes remontam ao século XVII, com o matemático e filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz.

Leibniz, considerado o pai do sistema de numeração binária moderno que utiliza o modelo atual de '0' e '1', aprimorou as combinações desses dois dígitos. Sua visão não era apenas matemática; ele percebeu que o sistema binário poderia ser uma maneira simples de representar informações complexas, usando apenas 0 e 1, e que ele refletia a lógica do universo, onde tudo poderia ser explicado por opostos complementares. Para Leibniz, este cálculo numérico, embora não para uso comum, abriria um vasto campo para novos teoremas e, acima de tudo, proporcionaria uma representação admirável da Criação.

Uma de suas maiores inspirações para essa compreensão dualista veio do I Ching, um antigo texto chinês também conhecido como "livro das mutações". O I Ching utiliza combinações de linhas inteiras (que Leibniz associou ao 1) e linhas quebradas (que ele associou ao 0) para representar conceitos dualistas como yin e yang. Em sua correspondência com o padre jesuíta Joachim Bouvet, missionário na China, Leibniz expressou a concordância entre sua tabela numérica binária e as antigas figuras de Fuxi (Fohy), um rei-filósofo chinês, que se estendiam até 64.

Para comunicar essa profunda conexão entre a matemática binária e o conceito da criação, Leibniz comissionou vários designs para uma medalha ou medalhão comemorativo. Embora esse medalhão específico não tenha sido produzido em sua época, a ideia por trás dele é imensamente simbólica.

No centro da proposta de medalhão, havia uma tabela de números de 0 a 15 expressos em binário, com exemplos de operações aritméticas como adição, subtração, multiplicação e divisão. A inscrição em latim, "OMNIBUS EX NIHILO DUCENDIS SUFFICIT UNUM", significa "Para tudo surgir do nada, basta um". Para Leibniz, o número 1 representava Deus (o Uno), e o 0 representava o vazio ou o nada. Ele acreditava que as combinações de zero e um poderiam significar o Universo inteiro, em toda a sua complexidade, derivando tudo dessa simplicidade absoluta. Essa ideia era central em sua compreensão do sistema binário como uma "Imago Creationis" (Imagem da Criação).

Leibniz chegou a propor que sua descoberta matemática fosse dedicada ao Imperador Chinês, esperando que ela confirmasse a religião cristã no que diz respeito ao sublime assunto da Criação, o que ele acreditava que teria grande peso entre os filósofos chineses e até mesmo para o próprio Imperador.

Apesar de o medalhão original nunca ter sido cunhado em sua época, a visão de Leibniz foi seminal. Ele publicou suas ideias sobre o sistema binário em 1703, no artigo “Explication de l’Arithmétique Binaire”. Este trabalho é considerado o artigo fundador da moderna Ciência da Computação.

Ainda que Leibniz tenha notado que os números binários eram cerca de quatro vezes mais longos que a notação decimal, o que os tornava pouco práticos para o uso cotidiano, ele enxergou o potencial do sistema para a teoria da ciência. Sua descoberta da aritmética binária influenciou profundamente sua metafísica, levando-o a conceber a "Mônada" como a substância primordial que, embora única, conteria todas as possibilidades de individualização do universo. A escolha do sistema binário refletia essa simplicidade essencial que, paradoxalmente, permitia a representação de qualquer complexidade.

Hoje, o sistema binário é a linguagem fundamental dos computadores e da internet. O "Medalhão Binário" de Leibniz, com sua mensagem "Omnibus ex nihilo ducendis sufficit unum", permanece como um símbolo da fusão entre a filosofia, a matemática e a nascente ciência da computação.


Referências

CHURCH TIMES. In the beginning was binary.

LOPES, Frederico José Andries. Leibniz e a Aritmética Binária. Revista Brasileira de História da Matemática, São Paulo, v. 11, n. 22, p. 89–94, 2020. DOI: 10.47976/RBHM2011v11n2289-94.

ZANDONADE, Tarcisio. Leibniz e a Criação da Numeração Binária. Brazilian Journal of Information Science: research trends, vol.18, publicação contínua, 2024, e024039. DOI: 10.36311/1981-1640.2024.v18.e024039